sábado, 28 de julho de 2007

Petrobras no contexto da integração sul-americana

Petrobras na política externa brasileira:

Como empresa controlada pela União, a Petrobras é um agente da política externa do Estado brasileiro, articulando-se com o esforço diplomático em favor da integração regional e da manutenção da estabilidade política e da democracia nos países vizinhos (por outro lado, há críticas nesses países e acusações de que a multinacional tira proveito dos recursos naturais desses países).

Os investimentos da Petrobras na América do Sul são influenciados também pela sua função estratégica como peça-chave no abastecimento de energia no mercado doméstico brasileiro, o que inclui a oferta de gás natural boliviano por meio do gasoduto que liga dos dois países.

PEB:

Meta - Em paralelo à acelerada expansão internacional da Petrobras, a diplomacia brasileira consolidou (desde a época do FHC) sua opção pela integração sul-americana como meta prioritária – uma estratégia do início da década de 90 que visa fortalecer a posição do Brasil perante o desafio da inserção competitiva na economia global.

PEB no governo Lula - A importância dos vínculos com a América do Sul tem sido ressaltada pela intensificação do comércio e pela busca da consolidação de um pólo regional capaz de desenvolver a potencialidade da região num mundo multipolar. Esses esforços levaram o Brasil a adotar, num conjunto de questões relevantes, posturas conflitantes com as preferências expressas pelo governo dos Estados Unidos em sua política para esta região. A divergência com Washington se manifestou, com intensidade, na resistência à proposta da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) nos termos propostos pelos EUA (Cervo e Bueno, 2002).

Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). Criada em 2000 na I Reunião de Presidentes da América do Sul, a IIRSA prevê enormes investimentos em infraestrutura, mas quase nada foi feito desde então. No que se refere à energia, os empreendimentos até agora realizados se deram em marcos bilaterais – o Gasbol, conectando a Bolívia ao Brasil, e a rede de gasodutos que ligam a Argentina ao Chile, Bolívia e Uruguai.

Obstáculos - O debate atual sobre a integração energética registra um choque entre duas visões opostas (Alexandre e Pinheiro, 2005). A Venezuela propõe um modelo que confere um papel central às empresas estatais, por meio da criação de uma estatal regional. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e alguns governos da região defendem uma função decisiva para a iniciativa privada – alternativa em que a definição de um marco regulatório claro se mostra essencial.

Outro complicador para a implementação da IIRSA é o contencioso gerado as modificações nas regras para a exploração dos hidrocarbonetos na Bolívia a partir da queda do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, em 2003, culminando com a nacionalização desses recursos em 2006. Há um consenso de que a Bolívia, devido às suas importantes reservas gasíferas e à proximidade geográfica com os principais mercados consumidores, não poderá ficar à margem de qualquer empreendimento de integração regional da infraestrutura.

Histórico - No plano político, os investimentos da Petrobras em outros países sul-americanos tiveram como moldura o modelo de "regionalismo aberto" que marcou as principais iniciativas de integração sub-regional da década de 90: o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações. O "regionalismo aberto" é um conceito difundido no nosso hemisfério a partir da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina (Cepal). Por esse enfoque, a integração é concebida como um processo puramente comercial, restrito à redução de tarifas é à abertura dos mercados nacionais aos produtos, serviços e investimentos do exterior. A abolição de barreiras alfandegárias não se limita a nenhuma região em particular, e sim aos exportadores do mundo inteiro – traço que diferencia os acordos subregionais da década das tentativas anteriores de integração, marcados por uma perspectiva desenvolvimentista e protecionista.

A Cepal sugere que esse novo regionalismo é distinto da liberalização comercial pura e simples porque contém "um ingrediente voluntário em seus acordos de integração, reforçado pela proximidade geográfica e pela afinidade cultural". Num ponto de vista crítico, Sonia de Camargo (2004) observa que a integração subregional, na medida em que se mantivesse nos limites do neoliberalismo, recebia a aprovação das autoridades norte-americanas, que a viam como uma etapa preliminar da Alca, e não como concorrente:

"Para os Estados Unidos, o esquema foi visto como benéfico para os seus próprios interesses, uma vez que poderia significar uma forma eficaz de aprendizado que permitiria aos países que participavam do acordo organizar-se economicamente e retomar seu crescimento sustentado, condições prévias para a futura integração hemisférica que o país (os EUA) ambicionava."

Na primeira metade da década atual, o cenário político-social da América do Sul mostra um nítido contraste com aquele que marcou o apogeu do neoliberalismo. As condições externas favoráveis à expansão regional da Petrobras sofreram abalos, para dizer o mínimo.

As políticas preconizadas pelo Consenso de Washington fracassaram estrondosamente em suas promessas de crescimento e passaram a enfrentar um crescente descrédito, que se intensificou após a derrocada econômica da Argentina, no final de 2002. Como resultado, a influência norte-americana se enfraqueceu e, por toda a América do Sul, ganharam força os atores políticos domésticos que defendem a reversão das políticas neoliberais, total ou parcialmente. Uma nova safra de governantes, eleitos com plataformas políticas centradas na crítica ao Consenso de Washington, assumiu o poder em diversos países, dando origem à tendência que alguns analistas, de inclinação neoliberal, chamam pejorativamente de "neopopulismo" (Villa e Urquidi, 2006).

Esses governos têm trilhado trajetórias divergentes no que diz respeito às diretrizes macroeconômicas, com a manutenção, em maior ou menor grau, das linhas mestras do modelo neoliberal. Mas há novidades importantes. Uma delas é o surgimento de projetos alternativos de integração, com destaque para a Comunidade Sul-Americana de Nações. Outra novidade da década atual é a retomada do "nacionalismo de recursos", como a imprensa e os especialistas em energia definem as propostas políticas que enfatizam a busca da maximização da renda dos hidrocarbonetos pelos países produtores, seja por meio da elevação da carga impositiva sobre as empresas concessionárias (em geral, estrangeiras), seja pela nacionalização das reservas. O "nacionalismo de recursos", associado à alta dos preços do petróleo a partir de 1999, à mudança na correlação de forças entre fornecedores e consumidores em favor dos primeiros e à percepção generalizada de que é iminente uma era de escassez de recursos energéticos, manifesta-se atualmente em escala mundial, levando grande parte dos países produtores à revisão unilateral dos contratos16.

Para a infelicidade da Petrobras, a revisão das regras para os hidrocarbonetos ocupa um lugar de destaque na agenda antiliberalizante que se encontra em debate – e, em alguns casos, em execução – nos países sul-americanos para os quais expandiu suas atividades. Em sociedades que carregam o trauma do passado colonial e neocolonial, a posse dos minguados recursos minerais que ainda restam após quatro séculos de saque sistemático adquiriu uma importância que transcende a dimensão puramente econômica. O petróleo e o gás natural, mais que recursos energéticos e produtos exportáveis, representam um símbolo de soberania e, em alguns casos, de identidade nacional.

Leia mais: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/brasil/2003/10/01/000.htm



Fonte: Fuser, Igor (2007) "Internacionalização e Conflito: a Petrobras na América do Sul", artigo submetido ao XII Encontro Nacional de Economia Política)

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