quarta-feira, 21 de novembro de 2007

O sentido da colonização

A.P.Lima

Em Formação do Brasil Contemporâneo, Caio Prado Júnior explica o atraso socioeconômico do País tendo em vista o tipo de colonização que se deu no nosso território. Para ele, a evolução de um povo ocorre em uma linha contínua de acontecimentos, que geralmente apontam para a mesma direção. Cada momento da história de uma nação faz parte de um todo. Dessa forma, o empreendimento colonial brasileiro insere-se no contexto do capitalismo mercantil europeu, cujo maior objetivo foi fornecer matérias-primas e gerar riqueza para a Europa. O Brasil cumpriu essa finalidade, primeiro fornecendo pau-brasil, açúcar, tabaco e outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois algodão; e então, já independente, café. Esse é o “sentido da colonização”.

A grande contribuição da obra do historiador é ter instaurado no Brasil a linha de análise marxista, que em vez de se preocupar com datas e dinastias, prefere analisar a organização social de um povo. O autor mostrou que o sistema econômico no qual estávamos inseridos é que nos destinava a ser uma sociedade inorgânica, e não teorias acerca do clima e da raça usadas anteriormente para justificar o atraso. Além disso, Prado Júnior extinguiu a idéia de que houvesse existido feudalismo durante o período colonial.

O intelectual compara as colonizações das áreas de clima tropical e subtropical com as zonas temperadas. O objetivo da colonização dos Estados Unidos e do Canadá até o século XVII seria o mesmo que havia por aqui, o da exploração. No entanto, a história desses países tomou um rumo distinto com a migração maciça de ingleses, franceses, alemães e suíços, que, com o intuito de fugir dos conflitos religiosos e políticos que ocorriam naquele momento na Europa, reconstruíram suas vidas no novo continente, erguendo nações à semelhança das potências européias. Ao contrário da Inglaterra, Portugal e Espanha, não contavam com população suficiente disposta a emigrar. Esses países ainda sofriam com as perdas populacionais acarretadas pelas pestes do século XIV e, desde o século XV, usavam mão-de-obra escrava em seus territórios. Sob esse aspecto reside outra diferença fundamental: nas zonas temperadas, o europeu teve que se sujeitar ao trabalho manual no início da colonização, enquanto nas áreas tropicais, o problema da escassez de mão-de-obra resolveu-se facilmente com o comércio de escravos e o aprisionamento de índios.

A tese do “sentido da colonização” influenciou, mais tarde, o pensamento cepalino e a teoria da dependência. O economista argentino e um dos fundadores da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), Raúl Prebisch, defendia que a divisão internacional do trabalho era extremamente desfavorável para os países em desenvolvimento, que ficariam então encarregados da exportação de produtos primários, enquanto os países ricos seriam responsáveis pela produção de bens industrializados. Isso aconteceria porque a tecnologia tende a elevar o valor dos produtos industrializados, criando uma desigualdade na receita adquirida por esses grupos de países. A teoria da dependência, por sua vez, trata das conseqüências da relação de subordinação de países periféricos em relação às economias centrais, que criavam teias de relações políticas e relações de interesse que moldavam formas determinadas de desenvolvimento político e social nos países "dependentes" ou "periféricos". Por outro lado, a partir dos anos 1970, surgem as primeiras críticas ao enfoque do “sentido da colonização”. Alguns autores defendem que o historiador subestimou o processo de industrialização no Brasil, enquanto outros apontam que a falha está em não compreender a importância do mercado interno que se formava com a acumulação de capitais originada, principalmente, pelo comércio de escravos.

Seja como for, um dos grandes méritos de Caio Prado Júnior foi ter iniciado a mudança de como se examina o Brasil. Apesar do apreço atual à história cultural em detrimento do estudo da análise econômica e da crise da historiografia marxista, a importância da obra do intelectual permanece, colocando-o ao lado de grandes intérpretes do País como Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre.

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