sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Paz e Guerra entre as Nações

1) Guerra absoluta e guerra real

Guerra absoluta: quando a violência é levada ao extremo e força a destruição de um dos adversários
Guerra real: confronto de coletividades, no qual cada uma delas se une e se manifesta com uma vontade.

* Definições de guerra: não é um ato isolado, que ocorre bruscamente, sem conexões com a vida anterior do Estado / é um jogo, exige ao mesmo tempo coragem e cálculo; este nunca chega a excluir o risco / é um ato político, surge de uma situação política e resulta de uma razão política
* A causa da guerra é a intenção hostil, não o sentimento de hostilidade (Clausewitz)
* A respeito dos povos civilizados, "a inteligência ocupa um lugar mais importante na maneira como fazem a guerra, ensinando-lhes a empregar a força de modo mais eficaz do que a manifestação do instinto". (Clausewitz)
* O elemento passional interessa sobretudo ao povo; o elemento aleatório, ao exército e ao seu comandante; o elemento intelectual, ao governo: este último é decisivo e deve ordenar o conjunto.
* "A guerra não é apenas um ato político, mas um instrumento real da política, uma busca de relações políticas, uma realização de relacionamento político por outros meios" (Clausewitz)
* A política parece desaparecer quando se adota como fim único a destruição do inimigo (mas mesmo assim ainda é política pois parte de uma decisão).
* Os Estados devem obedecer a política, isto é, à inteligência dos interesses duráveis da coletividade.

Estratégia (o comportamento relacionado com o conjunto das operações militares), Diplomacia (condução do intercâmbio com outras unidades políticas, convencer sem usar a força).

* Em tempo de paz, a política se utiliza de meios diplomáticos, sem excluir o recurso às armas, pelo menos a título de ameaça. Durante a guerra, a política não afasta a diplomacia, que continua a conduzir o relacionamento com os aliados e os neutros (e, implicitamente, continua a agir com relação ao inimigo, ameaçando-o de destruição ou abrindo-lhe uma perspectiva de paz).
* Impor-se é também um modo de convencer. Uma demonstração de força pode fazer com que o adversário ceda sua posição. Quem tem superioridade em armamento em tempos de paz convence os aliados, os rivais ou os adversários sem precisar utilizar suas armas. Inversamente, o Estado que adquire uma reputação de eqüidade e moderação tem maior probabilidade de alcançar seus objetivos sem precisar para isto da vitória militar. Mesmo em tempo de guerra, usará um processo de persuasão, no lugar da imposição.
* Estratégia e diplomacia valem-se uma da outra. Se a estratégia não tem função fora do teatro militar, os meios militares, por sua vez, são um dos instrumentos de que a diplomacia se utiliza. Inversamente, declarações, notas, promessas, garantias e ameaças fazem parte do arsenal do chefe de Estado, durante a guerra.
* Fator psicológico: "só é derrotado quem se reconhece como tal" (Clausewitz).



2) Estratégia e objetivo

* Relação entre estratégia e política: "a guerra deve corresponder inteiramente às intenções políticas; a política deve adaptar-se aos meios de guerra disponíveis" (Clausewitz). Ou seja, a política não pode determinar os objetivos sem levar em conta os meios disponíveis; por outro lado, a política "não penetra profundamente nos pormenores da guerra: não se colocam sentinelas nem se enviam patrulhas por motivos políticos. Mas a sua influência é absolutamente decisiva no plano do conjunto de uma guerra.
* A guerra exige um plano estratégico: "toda guerra deve ser compreendida antes de tudo à luz do seu caráter provável e dos seus traços dominantes, que podem ser deduzidos dos dados e das circunstâncias políticas". Exemplo: Em 1914, todos os beligerantes equivocaram-se a respeito da natureza da guerra. Em nenhum país o governo concebeu ou preparou a mobilização da indústria e da população.
* Risco das grandes guerras escaparem ao controle dos homens, sobretudo quando a paixão acaba tomando o lugar da política e a destruição do inimigo é associada à vitória. Estratégia e a consciência dos objetivos e motivações reais em jogo se perdem.
* A vitória (associada à destruição do inimigo ou anulação das forças do mesmo) não necessariamente é uma vitória. Ao fim da Primeira Guerra, a Alemanha continuou sendo um problema. Qual o custo da vitória? A maneira de conseguir a vitória influi necessariamente sobre o rumo dos acontecimentos.
* A condução da guerra, dentro de uma coalizão, deve levar em conta as rivalidades potenciais entre os aliados, além da hostilidade comum em relação ao inimigo. Há uma distinção entre aliados permanentes e aliados ocasionais.
* O crescimento de um aliado ocasional pode ser uma ameaça a médio ou longo prazo. Com efeito, os aliados ocasionais não têm outro laço senão o da hostilidade comum em relação a um inimigo cujo temor é suficiente para inspirar um esforço de acomodação de sua rivalidade.
* A Guerra da Coréia é um exemplo de guerra conduzida o tempo todo em função da política, sem se fixar exclusivamente na vitória militar. Já a conduta das duas guerras mundiais foi essencialmente militar, mas nem todos os atores se portaram dessa forma. Do lado soviético, a Segunda Guerra Mundial foi conduzida de modo essencialmente político, isto é, levando em consideração as conseqüências longínquas das hostilidades e vitórias. Os EUA não se perguntaram se a vitória militar seria favorável aos interesses duradouros do país. No entanto, mesmo se isso tivesse ocorrido talvez as conseqüências teriam sido as mesmas. A natureza de cada guerra depende de muitas circunstâncias que o estrategista precisa compreender, mas nem sempre pode mudar.


3) Ganhar ou não perder

* A escolha da estratégia depende ao mesmo tempo dos objetivos e dos meios disponíveis. Há guerras feitas em busca do exclusivo êxito militar e outras que tentam evitar a extensão do conflito.
* Quando a relação de forças é desigual, os estadistas podem ter como objetivo "não perder", desencorajando a vontade de vencer da coalizão superior.
* Guerras subversivas (aquela feita por uma população submetida a um regime colonial contra uma potência européia) - são intermediárias entre guerra civil e guerra externa porque o direito internacional reconhecerá essa guerra como civil, embora os rebeldes a considerem uma guerra externa. (...) Assimetria de forças, o governo legal leva vantagem. (...) O governo legal tem vontade de vencer, mas os rebeldes têm vontade de não se deixarem eliminar. (...) Mas por que razão os governantes legais aceitam a derrota política sem mesmo ter chegado a perder militarmente? (...)
* Administrar um território, hoje, é assumir a responsabilidade pelo seu desenvolvimento, o que muitas vezes custa mais do que as vantagens trazidas pela expansão do mercado ou a exploração das riquezas naturais. Não é de espantar que o colonizador possa cansar-se de pagar o custo da pacificação e, adicionalmente, dos benefícios em favor da população que resiste. Neste sentido, a derrota do poder colonizador, ainda quando é formalmente total (com a transferência da soberania para os rebeldes), não é sentida como tal pela metrópole.


4) Diplomacia e meios militares

* A política deve conhecer o instrumento a qual se vai servir (Clausewitz). Isso vale também para os tempos de paz.
* Na paz ou na guerra, diplomacia e estratégia são complementares. Ora domina uma, ora a outra, sem que nenhuma jamais se retire inteiramente, salvo nos casos de inimizade absoluta.
* Uma diplomacia que pretende agir sem contar com um exército efetivo é um pecado contra a racionalidade.
* Depois de 1945, a coordenação entre a diplomacia e a estratégia adquiriu características inéditas, devido a pluralidade das técnicas de combate (bomba atômica). Hoje, a natureza do conflito determina o tipo de armas utilizada. Antes, ela determinava o volume de forças engajadas e o coeficiente da mibilização nacional.
* Tudo indica que a condução das guerras será ainda mais política que no passado. Não se pensa mais em dar aos comandantes militares uma autonomia completa para ganhar a guerra, sem que importe como ou a que preço. A própria noção de "ganhou a guerra" provavelmente não é a mesma, e a questão do custo, que sempre existiu, tornou-se hoje decisiva: de que vale destruir o meu inimigo se ele pode também me destruir simultaneamente?
* Em 1960, o automatismo que se teme é o dos aparelhos eletrônicos e o dos planos estratégicos. Em 1914, os estadistas dispunham de alguns dias para tomar uma decisão. Em 1960, eles dispinham de alguns minutos.
* O primado da política permite, de fato, frear a escalada aos extremos, evitando que a animosidade exploda em paixão pura, numa brutalidade sem limites.


Fonte: "Paz e guerra entre nações", Raymond Aron, cap. 1

domingo, 19 de agosto de 2007

Política de fronteiras

Questão de Palmas (1895)

Países envolvidos: Brasil e Argentina

Área sob litígio: região oeste dos atuais Estados do PR e SC, entre os rios Peperi e Santo Antônio (hoje, Chapecó e Chopim ou Jangada). A área correspondia a 30.631 km².

Mediador: Barão do Rio Branco

Antecedentes: Tratado de Santo Ildefonso (1777), que devolvia Sete Povos das Missões (atual oeste do RS) à Espanha e fazia do Uruguai um rio exclusivamente espanhol até a foz do Peperi, não alterou o trecho da divisa estabelecido no Tratado de Madri (1750).

O primeiro tratado de 1889, mediado por Quintino Bocaiúva (então na pasta das Relações Exteriores), repartia o território contestado em duas partes iguais (gesto de fraternidade para apagar os resquícios do alegado imperialismo brasileiro). O acordo não foi bem recebido no Brasil e o Congresso Nacional não ratificou os termos do tratado, recomendando a volta ao recurso do arbitramento.

Interesses em jogo: A Argentina reivindicava parte do nosso território que, se obtida, deixaria o RS ligado ao resto do País por uma faixa pouco maior de 200 km. O RS era, na época, o Estado que merecia mais cuidados do Império: no começo do Império houve a Revolução Farroupilha (1834-1845) e, no começo da República, estava ocorrendo a guerra entre federalistas e republicanos (1893-1895). O envolvimento das tropas gaúchas em problemas das nações platinas e vice-versa, a similitude das formações sociais entre os gaúchos do Uruguai, da Argentina e do RS poderiam propiciar um futuro desejo de separatismo.

Árbitro: Grover Cleeveland (presidente dos EUA)

Resultado: totalmente favorável ao Brasil


Questão do Amapá (1900)


Países envolvidos: Brasil e França

Área sob litígio: Amapá
(na costa atlântica, a divisão foi fixada pelo Oiapoque e, no interior da Guiana, o limite foram os montes de Tumucumaque)

Mediador: Barão do Rio Branco

Antecedentes: divergências e acordos a respeito do território começaram muito cedo (desde o séc. XVII), houveram várias tentativas dos franceses de se apossar da região.

Argumentos da defesa brasileira: o objetivo básico do Barão era fazer valer o Tratado de Utrecht, favorável ao Brasil.

Árbitro: presidente do Conselho Suíço, Walter Hauser.

Resultado: totalmente favorável ao Brasil



Questão do Pirara (1904)

Países envolvidos: Brasil e Grã-Bretanha

Área sob litígio: região do Pirara (região ao leste de RR)

Mediador: Joaquim Nabuco (Barão do Rio Branco atuou como consultor técnico)

Antecedentes: problemas com a Guiana Britânica começaram no início do Segundo Reinado, quando o geógrafo e explorador Robert Herman Schomburgk, fomentou uma disputa fronteiriça com o Brasil.

Árbitro: rei da Itália Vítor Emanuel III

Resultado: divisão do território contestado em duas partes, sendo que a maior (60%) ficou com a Grâ-Bretanha.



Tratado de Petrópolis (1903):

Países envolvidos: Brasil e Bolívia

Área sob litígio: Acre

Mediador: Barão do Rio Branco

Antecedentes: A produção de borracha atraiu à Amazônia, entre 1860 e 1900, cerca de 500 mil nordestinos (principalmente cearenses). Antes disso, a região já atraía brasileiros devido à exploração das drogas do sertão. Havia um tratado que dava à Bolívia propriedade do território, mas os aventurados e nem mesmo ambos os países sabiam exatamente onde ficava a divisória.

No tratado de fronteiras com a Bolívia, assinado em 1867, o Brasil reconhecida a autoridade da Bolívia sobre a região. O governo brasileiro seguiu reconhecendo o fato através de vários atos apesar da maioria dos habitantes da região ser brasileiro.

A crise do Acre atingia seu ápice quando Rio Branco assumia o Itamaraty. Os rebeldes de Plácido de Castro venciam as tropas bolivianas no terreno. Antes disso já havia registro de outra tentativa separatista. No entanto, agora, a situação era mais séria. Num esforço para ocupar o território, a Bolívia cedera a exploração econômica da região a um consórcio anglo-americano, o "Bolivian Syndicate" (Bradford Burns). O efeito fora contrário ao desejado e acirrou ainda mais a revolta dos brasileros (presença de uma empresa estrangeira semi-soberana no centro da Amazônia).

Estratégia brasileira: Inicialmente, depois da Bolívia negar-se a vender o território, o Barão cuidara de isolar as outras duas forças interessadas na região (Peru e o Bolivian Syndicate). Ao Peru deu todas as garantias de que teria a maior consideração pelas suas reivindicações territoriais sobre o Acre, no caso de um acordo com a Bolívia. Sobre o Sindicato, o único interesse dos EUA é que s investidores americanos recebessem compensação justa. O Brasil assumiria a responsabilidade da Bolívia de ressarci-los.

No momento oportuno, muda radicalmente a posição tradicional da Chancelaria brasileira sobre o tratado de 1867. Agora, o território tornava-se litigioso.

Resultado: Pelo tratado, o governo boliviano cedia ao Brasil a maior parte do território em troca de compensações territoriais em vários trechos da fronteira com MT, a construção de uma estrada de ferro entre Porto Velho e Guajará-Mirim e indenização de dois milhões de libras esterlinas. O tratado, entretanto, foi muito atacado na época.


Tratado com o Equador (1904)

Tratado com a Colômbia (1907)

Tratado com o Peru (1909)

Na República, nosso maior problema de limites na Amazônia foi com o Peru, e não com a Bolívia.

Área: O Peru reivindicava no começo do século XX um território imenso que incluía não apenas o Acre (191 mil km²) , como o Sul do AM (442 mil km²).

Mediador: Barão do Rio Branco

Precedentes: Tratado de Santo Ildefonso (1777) favorecia o Peru, mais tarde, o Tratado de Limite de 1851, passava a favorecer o Brasil (?). O Peru também protestou com a assinatura do Tratado de Petrópolis pois também reivindicava a área em litígio.

Resultado: As regiões do alto Juruá e do alto Purus (39 mil km²) passavam à soberania peruana, já que se verificou serem os nacionais desse país que ocupavam as nascentes desses rios. Dessa forma, o Acre diminuía o seu território de 191 mil km² para 152 mil km², mas, em compensação, o Peru desistia de sua persistente e sempre incômoda reivindicação, baseada no Tratado de 1777, sobre os restantes 403 mil km² da área contestada.

Análise (do próprio Rio Branco): parecia que o Brasil ganhava muito, mas na verdade era o Peru que queria demais. "(isso) pode deixar a impressão de que o governo brasileiro se reservou a parte do leão. Nada seria menos verdadeiro ou injusto. Ratificando a solução que este tratado encerra (a questão das fronteiras no Brasil), o Brasil dará mais uma prova do seu espírito de conciliação, porquanto ele desiste de algumas terras que poderia defender com bons fundamentos em direito".

O Tratado com o Peru enterrava definitivamente Santo Ildefonso, e o Brasil se tornava o primeiro país sul-americano a ter seus limites reconhecidos por solenes e incontroversos tratados bilaterais.


Fonte: "Navegantes, bandeirantes, diplomatas", Synesio Sampaio Goes Filho (cap. 11)

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Nos bastidores

"Tenho horror ao Bush, horror pessoal. Tiveram o primeiro encontro na Casa Branca. "Bush se gabou de que seria conhecido como o maior poluidor do planeta. 'Vou abrir o Alasca para o petróleo. Podem reclamar, mas o mundo precisa que os EUA sejam fortes'. O incrível é que mesmo assim consegue ser um homem simpático que dão soquinho no ombro da gente. Mas não sabe nada. Uma hora, falei da nossa diversidade racial, os espanhóis, os portugueses, os japoneses... Ele perguntou: 'And do you have blacks?'. A Condoleezza deu um pulo: 'Senhor presidente, o Brasil tem a maior população de negros fora da África!'. Ele não sabe nada", recorda com desapreço.

FHC sobre Bush, Revista Piauí